O grupo reuniu pesquisadores, agricultores e agriculturas e pessoas diretamente afetadas pelos agrotóxicos
Foto: ReproduçãoA Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) e o Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), órgãos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), participaram, nesta quinta-feira (31/10), do Tribunal Popular dos Agrotóxicos, promovido pelo Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria.
Realizado no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), o Tribunal Popular contou com nove testemunhas de acusação, três de defesa, cinco peritos, equipes de defesa e de acusação e um juiz. É possível assistir ao Tribunal no Youtube do Esplar, em links divididos no período damanhã e da tarde.
O grupo reuniu pesquisadores, agricultores e agriculturas e pessoas diretamente afetadas pelos agrotóxicos, debatendo temas como saúde física, mental e reprodutiva das famílias, a contaminação das águas, a falta de fiscalização, o uso do veneno como arma química, a pulverização aérea indiscriminada e os conflitos territoriais.
O presidente do EFTA e da CDHC, deputado Renato Roseno (Psol), explica que os tribunais populares são iniciativas auto-organizadas da sociedade civil que estão ocorrendo em várias partes do mundo com foco no meio ambiente.
No Ceará, o tema abordado é o uso de agrotóxicos e os impactos para a saúde humana e a biodiversidade. “Nós temos no Ceará a única lei estadual que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos, por isso, inclusive, eu venho compor o corpo de jurados”, apontou o parlamentar, autor do projeto que resultou na lei conhecida como Lei Zé Maria do Tomé.
“É muito importante para a gente levar ao grande público as informações sobre a cadeia produtiva do agronegócio, que faz uso de muito veneno. Os venenos que são proibidos na Europa são despejados aqui, são vendidos livremente aqui, sem muita regulação, sem controle e sem pagar imposto”, comentou.
Magnólia Said, advogada e coordenadora de projeto do Esplar, avalia que o Tribunal Popular representa uma possibilidade de nova reação da sociedade civil com relação aos agrotóxicos, ao consumo, comercialização e produção, não só no Ceará como em todo o Brasil. A proposta do debate, afirmou, também é mostrar que é possível ter vida saudável, produzir e consumir alimentos necessários para a população e preservar a biodiversidade.
Segundo ela, a sentença do Tribunal Popular será entregue a um tribunal internacional, que vai acontecer na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, junto com sentenças de outros tribunais realizados em outubro e novembro em vários países. A sentença do Tribunal Popular dos Agrotóxicos também será entregue ao Governo do Estado do Ceará, adiantou Magnólia.
Representando o Escritório Frei Tito, a advogada Cecília Paiva ressalta a importância do Tribunal Popular como instrumento de conscientização e mobilização social em defesa de direitos humanos e, nesse caso específico, dos impactos dos agrotóxicos e violações de direitos humanos a partir do uso de agrotóxicos.
"O Escritório acompanha diversas comunidades no Estado do Ceará que são impactadas pelo uso intensivo de agrotóxicos. Por isso, considero emblemático esse Tribunal Popular ocorrer após a primeira condenação de um dos envolvidos no assassinato da liderança comunitária Zé Maria do Tomé, que há 14 anos denunciava esse uso indiscriminado e violador de direitos humanos desse tipo de atividade", complementa.
DEPOIMENTOS
O líder comunitário e defensor dos direitos humanos Zé Maria do Tomé se tornou referência na luta contra o uso dos venenos, especialmente, da pulverização aérea na Chapada do Apodi. Sua filha, Márcia Ximenes, foi uma das testemunhas presentes no Tribunal Popular.
Psicóloga, ela coordena hoje o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador em Limoeiro do Norte e compartilhou sua experiência pessoal, rememorando que o pai passou a perceber e alertar para episódios de doenças, alergias, mortes de animais relacionados ao uso dos agrotóxicos na região e à contaminação, o que foi comprovado.
Ao relatar episódios vividos pela família ao longo dos anos, como impactos à saúde e à própria vida, Márcia reiterou o tamanho do problema, afirmando que o veneno mata e causa sérios riscos à saúde. “Nós temos diversas pesquisas que comprovam o uso indiscriminado de agrotóxico no Estado do Ceará, principalmente na região do Vale do Jaguaribe, e que ele vem matando, matando famílias, matando crianças, matando trabalhadores”.
Além de testemunhos de agricultores e agricultoras e pessoas impactadas direta e indiretamente, o Tribunal contou com pesquisadores.
Fabrina Furtado, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coordenadora do coletivo de pesquisa “Desigualdade Ambiental, Economia e Política”, ponderou a importância da debater o agronegócio como um regime de acumulação e paradigma de desenvolvimento, que está na estrutura econômica e política há muitos anos.
A pesquisadora apontou que esse paradigma de desenvolvimento, orientado para a exportação e monoculturas, não é possível sem o uso de agrotóxicos no agronegócio. Diante desse contexto, explica, as corporações atuam para vender a ideia de que os agrotóxicos não fazem mal à saúde, promovendo ofensivas nos processos de educação, na alimentação, nas relações no campo e, inclusive, nas políticas públicas a partir de influências no Executivo e Legislativo. Assim, Fabrina Furtado defende a desconstrução desse cenário a partir do debate para mostrar que “o agro não é pop, o agro não é tech, o agro é tóxico e o agro mata”.
Realizada pelo Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria, o Tribunal teve ainda apoio da CESE, Fundação Heinrich Böll, Brot für die Welt (Pão para o Mundo), Instituto Terramar, Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (Najuc/UFC) e dos deputados Renato Roseno e Missias Dias (PT).