“A Marlene Mattos falou: ‘Agora fica todo mundo pelada que eu quero ver quem está gorda’. Eu tinha 12 anos de idade.”
O episódio, ocorrido nos anos 80, foi revelado pela ex-paquita Cátia Paganote durante uma conversa captada no reality show ‘A Grande Conquista’, no ar desde maio pela Record TV.
Segundo Cátia, hoje com 48 anos, a diretora do ‘Xou da Xuxa’ telefonou em plena madrugada para as integrantes do grupo e as convocou para uma espécie de reunião de emergência. O objetivo do encontro era conferir o peso das meninas, para que aparecessem em forma na televisão.
“Estava todo mundo dormindo em casa. Era meia-noite, uma hora da manhã. A Marlene ligou para cada uma e mandou todas irem para a casa dela. Ela morava na Lagoa, mas tinha gente que morava lá em Duque de Caxias [município da Baixada Fluminense]”, conta a artista.
Procurada pela imprensa, Mattos se limitou a garantir que “esse momento nunca aconteceu” e a história “é irreal”.
Mas não foi a primeira acusação contra a empresária nesse sentido. A atriz Bianca Rinaldi, também ex-paquita, afirmou ter passado por “momentos de humilhação e muita tensão” com Marlene – sempre relacionados à exigência quanto à forma física.
“Não foi legal, porque a Marlene nos expunha. Ela não chegava no particular e falava. Se ela queria falar, falava na hora, não importava onde estivesse. Hoje a gente sabe que não pode deixar isso passar”, disse Bianca ao podcast ‘Desculpa Alguma Coisa’.
Situações desse tipo têm vindo cada vez mais à tona, principalmente depois da exibição da série ‘O Lado Sombrio da TV Infantil’, disponível em streaming na plataforma Max. Um dos programas de tevê mais vistos no mundo todo em 2024, o documentário revela os bastidores polêmicos do canal teen americano Nickelodeon.
Segundo os ex-astros mirins entrevistados, as jovens estrelas da empresa encaravam jornadas de trabalho exaustivas, protagonizam cenas inadequadas para sua idade e muitas vezes eram demitidas sem o menor cuidado ou preparação.
E o mais grave: três pedófilos condenados atuaram nos bastidores da emissora e tiveram acesso aos menores. Um deles estuprou o ator Drake Bell, à época com 15 anos.
As experiências precoces com drogas, sexo e noitadas tornaram Bell um adulto traumatizado e problemático, a exemplo de diversos outros prodígios da história do showbusiness dos EUA – de Judy Garland a Drew Barrymore, passando por Macaulay Culkin, Whitney Houston, Britney Spears.
No Brasil, o número de crianças e adolescentes nesse meio é proporcional ao tamanho da nossa indústria do entretenimento (infinitamente menor que a americana). No entanto, há casos simbólicos de exploração, abuso e carreiras mal conduzidas cujos resultados quase terminaram em tragédia.
Especialmente a partir da década de 80, com a explosão dos programas e grupos musicais encabeçados por astros mirins.
Bajulados e sem supervisão, artistas são expostos muito cedo ao sexo e às drogas
Um dos exemplos mais conhecidos é o de Rafael Ilha, que começou a trabalhar ainda criança, atuando em comerciais, e ganhou notoriedade na década de 90 como membro da banda pop Polegar – criada e empresariada pelo apresentador Gugu Liberato (1959-2019).
Segundo ele, no mercado publicitário havia uma grande preocupação com relação à carga horária e à presença dos pais. O que não aconteceu quando começaram as turnês com a banda.
“Chegamos a fazer dez, 12 shows por noite. E eu tinha 13 anos. Passávamos dois meses fora de casa. Era bem complicado, principalmente na parte de conciliar o estudo com o trabalho”, diz Rafael, que conversou com a reportagem da Gazeta do Povo.
No auge da popularidade, Ilha surpreendeu o país ao assumir um namoro com uma celebridade mais famosa e mais velha que ele: a atriz Cristiana Oliveira, transformada em símbolo sexual após viver a personagem Juma na versão original da novela ‘Pantanal’. A diferença de idade entre os dois é de quase dez anos.
O casal até tentou esconder o relacionamento da imprensa durante algum tempo. O grande segredo, porém, era uma condição grave de Rafael: a dependência química. Viciado em drogas desde os 13 anos, quando começou a tocar e fazer shows, ele passou boa parte da vida entrando e saindo de clínicas de reabilitação.
“Mas nunca vi, quando era menor de idade, pessoas de televisão incentivarem o uso de drogas ou álcool. Nunca vi qualquer tipo de facilitação nesse sentido”, afirma.
Depois do fim do Polegar, Rafael Ilha foi preso por roubo, porte de entorpecentes, sequestro, infrações de trânsito e até tráfico de armas. Chegou a morar na rua e teve nove overdoses.
Em uma de suas crises, engoliu pilhas na tentativa desesperada de ser transferido de um hospital psiquiátrico para uma unidade convencional.
“Limpo” desde 2000, Ilha hoje tem 51 anos e vive com a família em São Paulo. É empresário, dá palestras sobre sua trajetória e comanda um podcast de nome autoirônico, o Pilhando Geral.
Mas, no último mês de abril, voltou ao noticiário policial ao ser condenado a pagar uma indenização no valor de R$ 20 mil por danos morais.
O crime aconteceu em 2020, quando ele usou termos racistas e homofóbicos em uma discussão com um internauta de Minas Gerais durante uma live. Seu advogado afirma que vai recorrer.
Outro artista exposto muito cedo ao mundo adulto é Yudi Tamashiro, de 31 anos. Aos 11, ele passou num teste para apresentar o programa ‘Bom Dia & Cia’, do SBT, e ganhou a simpatia da audiência com seu jeito espontâneo e atrevido.
Pouco tempo depois, ao entrar na adolescência, Yudi começou a revezar duas rotinas cansativas.
Durante o dia, trabalhava na tevê e tentava prosseguir com os estudos. À noite, frequentava bares e festas (muitas delas em casas de swing, onde era bajulado pelos proprietários).
Em suas entrevistas, ele costuma relatar que muitas vezes “chamava um desenho animado e corria para o banheiro vomitar”. Devido ao consumo excessivo de álcool, foi parar no hospital com sérios problemas no fígado – isso com apenas 21 anos.
Convertido à religião evangélica, Tamashiro largou a bebida e atualmente se dedica à pregação e à carreira de cantor gospel, ao lado da mulher (a também cantora Mila).
Eternamente conhecido como “Cabeção”, graças ao personagem que viveu na novela teen ‘Malhação’, Sérgio Hondjakoff é mais um nome sempre lembrado quando o assunto são as ex-estrelas juvenis de comportamento errático.
Viciado em cocaína, e ainda em recuperação, ele culpa o ambiente das gravações por seu ingresso no mundo das drogas.
“Foi por uma questão de inclusão social. Tinha um amigo que já tinha experimentado maconha, se dava bem com as garotas, e acabei me inspirando nele e experimentando também, aos 14 anos”, disse o ator de 39 ao podcast ‘Papagaio Falante’.
A história mais da pesada de todas, no entanto, é a do cantor Sander Mecca, um dos vocalistas da boy band Twister – do hit “40 Graus”, tocado à exaustão nas rádios e na MTV entre 2000 e 2001. O grupo ainda fez um relativo sucesso no exterior, que lhe rendeu turnês pelo México e os Estados Unidos (para o público latino).
Como Rafael e Yudi, ele também foi uma criança fofa levada pelos pais a participar de campanhas publicitárias. Porém, quando completou 15 anos, mudou-se para a casa de um empresário, que abusou sexualmente dele.
Mecca só revelou esse trauma em 2022, em uma entrevista ao programa Sensacional, da RedeTV. “Ele tentou me assediar várias vezes, até que aconteceu. Foi inclusive a minha primeira experiência sexual”, disse o artista, que também afirma ter sido chantageado pelo manager.
“Ele esfregou o contrato [da gravadora] na minha cara e falou: ‘Só falta você assinar, todos [os outros integrantes] assinaram. Agora você decide se vai ser o líder do Twister ou se vai ver o sucesso da banda pela televisão. Se quiser, vai ter que pagar o preço’.”
O empresário acabou sendo demitido pelos rapazes meses depois. O problema é que a “vida útil” desse tipo de grupo é curta demais, e logo Sander também se viu sem trabalho – e viciado em drogas.
Em 2003, aos 19 anos, foi preso em flagrante vendendo ecstasy, LSD e cocaína num bar. Condenado por tráfico, cumpriu pena em regime fechado por dois anos, experiência que relata no livro ‘Inferno Amarelo’.
Procurado pela Gazeta, Sander Mecca confessa não ter nenhuma lembrança ruim do início de sua carreira, quando atuava em propagandas e participava de concursos para calouros mirins.
“Com oito anos eu já cantava nos programas da Xuxa, da Mara, da Angélica. E, como minha mãe é professora, ela sempre fez questão que eu priorizasse os estudos, inclusive de música”, afirma.
“O problema aconteceu no momento em que deixei a casa dos meus pais para ir morar com o primeiro empresário do Twister. Ali tudo começou a desandar. Eu era menor de idade, mas tinha bebida liberada. Ficou fácil saciar as minhas curiosidades com outras substâncias.”
ℹ️ Com informações: Gazeta do Povo
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