O percentual foi de 88,7% dos casos, um crescimento de 27% em todo o estado em relação a 2022
No Brasil, foram 4.025 pessoas mortas por policiais, 2.782 das vítimas eram pessoas negras. Foto: Divulgação / Fernando Frazão / Agência Brasil |
Em todo o Brasil, foram 4.025 pessoas mortas por policiais apenas no ano de 2023. O número é parte do boletim Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão, publicado pela Rede de Observatórios da Segurança nesta quinta-feira (7). Dos casos, 3.169 foram disponibilizados os dados de raça e cor, dos quais apontaram que destes, 2.782 das vítimas eram pessoas negras, ou seja, 87,8% dos casos. O estudo está na sua 5° edição e os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) em nove estados. Desses, o Ceará é o quinto no número de óbitos de pessoas racializadas – 88,7% dos casos.
Conforme a cientista social e coordenadora da Rede, Silvia Ramos, os dados reiteram uma faceta que atravessa os casos: o racismo, que tem forte impacto na segurança pública no país, fruto de estigmas atrelados em especial a jovens negros de periferias.
“O perfil do suspeito policial é fortalecido nas corporações. O policial aprende que deve tratar diferente um jovem branco vestido de terno na cidade e um jovem negro de bermuda e chinelo em uma favela. A questão é: 99,9% dos jovens negros das favelas e periferias estão de bermuda e chinelo. E todos passam a ser vistos como perigosos e como possíveis alvos que a polícia, se precisar, pode matar”, diz a pesquisadora.
O Ceará registrou um percentual de queda em mortes por intervenção do Estado pequeno, apenas 3,3% em relação ao ano de 2022. Embora tenha tido uma melhora em relação à clareza dos dados, 63,9% das vítimas ainda não têm raça e cor reconhecidas. Com base nos casos em que apresentam cor e raça, o número de vítimas negras aumentou em 27% em todo o estado.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) afirma ter compromisso em “reduzir estigmas e a vulnerabilidade contra pessoas negras” e dialoga com a Secretaria de Igualdade Racial (Seir), em busca de articular ações de combate à discriminação. A pasta reiterou ainda tratar “todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência”.
O órgão informou que será lançada, em breve, uma nova tecnologia para cruzar dados estratégicos dos inquéritos policiais e levantamentos da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), assim como o perfil das vítimas de crimes. A secretaria garantiu que os profissionais da segurança pública participam de formações iniciais e continuadas para o atendimento humanizado às pessoas negras e demais grupos vulneráveis.
NÚMERO ALARMANTE
Das Federações apresentadas no levantamento, o estado de Pernambuco lidera, com 95,7% dos casos, seguido dos estados da Bahia (94,6%), Amazonas (92,6%) e Pará (91,7%). Em seguida aparecem os estados do Ceará (88,7%), Rio de Janeiro (86,9%), Maranhão (80%), Piauí (74,1%) e São Paulo (66,3%). Em todos, o número é mais que a metade.
Na análise geral por estados, numericamente a Bahia é a federação com a polícia mais letal, somando 1.702 mortes. Esse foi o segundo maior número já registrado desde 2019 entre todos os estados monitorados. Na sequência, aparecem Rio de Janeiro (871), Pará (530), São Paulo (510), Ceará (147), Pernambuco (117), Maranhão (62), Amazonas (59) e Piauí (27).
O estudo também destaca que a juventude é a parcela da população mais ameaçada pelas forças policiais, principalmente na faixa etária entre 18 a 29 anos. O levantamento cita o Ceará como exemplo negativo, onde esse grupo representa 69,4% do total de mortos. Os dados indicam ainda que, em todos os estados analisados, 243 das vítimas eram crianças e adolescentes de 12 a 17 anos.
Alguns estados tiveram redução na letalidade policial. No Amazonas, a queda foi de 40,4% e houve mudança na distribuição territorial das vítimas: a maioria das mortes foi no interior do estado. Maranhão, Piauí e Rio de Janeiro também apresentaram diminuição da letalidade em relação a 2022: 32,6%, 30,8% e 34,5%, respectivamente. No Pará, como no Ceará, a queda foi pequena, apenas de 16% e o número de pessoas racializadas também aumentou, em 13,7%.
No entanto, na Bahia, há uma crescente exponencial, com registro de três vítimas negras por dia em 2023. O número de vítimas aumentou em 16,1%. Pernambuco foi o estado que registrou o maior aumento no número de mortos, com 28,6% mais casos do que em 2022. São Paulo quebrou o histórico de redução e aumentou em 21,7% os óbitos nas ações da polícia.
AUSÊNCIA DE DADOS
No total levantado, 856 vítimas não possuem registros de raça e cor nos nove estados abarcados pelo levantamento, o que impede uma total certeza no número de óbitos de pessoas racializadas. Os organizadores do estudo reforçam a importância de que os governos sejam transparentes e incluam esses dados em 100% dos casos para uma análise qualificada da realidade. Por meio disso, destacam, o Poder Público poderá direcionar esforços para uma sociedade mais segura.